As diferentes construções da amizade
Eu sempre soube que quando fosse pela primeira vez para a universidade ia sozinha, não estava à espera de encontrar sequer uma cara familiar, e assim foi. Tinha consciência de que a primeira semana seria a mais importante para começar a cimentar novas amizades na mesma situação que eu, pessoas sozinhas, longe de casa e perdidas. Não sei dizer ao certo como comecei, no ano de caloira, as amizades que tenho em Coimbra. Foi quase como coisa de crianças que se encontram frente a frente e depois de uns segundos decidem ser amigos e brincar juntos, às vezes ainda antes de saberem os nomes uns dos outros. Foi assim que tudo aconteceu, fluiu tudo tão naturalmente, o que é raro, porque há medida que crescemos vamos escolhendo o tipo de interações a ter com pessoas selecionadas quase a dedo. Se foram as circunstâncias, espírito académico ou simplesmente essência das pessoas nunca saberei. Sem querer entrar aqui em grande debate do assunto, em parte atribuo um bocadinho da culpa às praxes, porque digam o que disserem nada é melhor para aproximar os caloiros do que falar mal de quem nos manda pôr de quatro.
É claro que as amizades antigas não estavam perdidas. Quando passava os fins de semana na terrinha ia falando com amigos e colegas que encontrava ao acaso nos locais que frequentávamos habitualmente, trocávamos impressões de como estava a correr a nova vida. Com as minhas amigas mais próximas tínhamos a promessa explícita de nos irmos falando, mesmo que pouco, mesmo que ao longe. Era um compromisso feito com a melhor das intenções, cheio de vontade, mas a vida está sempre no meio dos nosso planos. Atarefados passamos a ir menos a casa, quando vamos é para repousar da semana e por vezes nem isso se consegue fazer tal o atulhamento de trabalho. Os amigos são vistos com menos frequência e perdemos o contacto simplesmente por força das circunstâncias. Muitas vezes surge o desejo de retomar o contacto, mas o constrangimento causado pela passagem de tempo impede-nos de tomar qualquer ação, mesmo que este sentimento impulsionado pela saudade seja mútuo. Os caminhos da vida alongam-se cada vez mais, ao percorrê-lo tornámo-nos noutras pessoas, há o medo de aqueles que outrora conhecemos não sejam mais os mesmos. De certa forma, esta constatação pode assombrar as nossas memórias mais felizes de momentos vividos em conjunto. A mim custa-me bastante arriscar no campo do retomar da amizade. Está na altura de me expor mais, acredito que à medida que avançamos na vida adulta se torne cada vez mais difícil fazer e manter amizades, por isso resta-nos conservar aquelas que ainda temos, mesmo que tenuamente. Este ano, logo no segundo dia de aulas, encontrei um amigo com o qual já não tinha contacto há alguns anos, a troca de palavras foi breve mas no mesmo registo de sempre, como se o tempo não tivesse interferido, não houve nenhuma estranheza, a amizade continua presente.
Já se passaram dois meses desde o início deste ano letivo. Num lugar novo, como nesta universidade diferente surge a perspetiva de novas amizades, mas tudo ficou por aí. Mesmo depois de todo este tempo não construi nenhuma relação sólida. Nos intervalos faz-se conversa de circunstância e SÓ, findado o tempo de aulas cada um cuida de si, mesmo que duas pessoas vão para o mesmo lado o caminho é feito em separado, ninguém abranda e espera por ninguém, não vá isso se traduzir numa diminuição do ritmo da vida. Muitos dos meus colegas já se conhecem, vêm da mesma turma da licenciatura, cada vez me apercebo mais de quem tem a mesma origem, esse nem sequer é um fator na formação de grupos, porque aqui não existem. Por algum acaso noto num ou outro comentário, os cursos são comuns, já conhecem os professores. Não há muita cumplicidade, muita partilha, muita camaradagem, há um grupo de pessoas que se conhece e pronto. Eu não vim sozinha, também da minha licenciatura tenho dois amigos. Ao contrário dos nossos colegas nós conversamos, trocamos impressões sobre as coisas fora do espaço físico onde todos somos obrigados a conviver. Na minha licenciatura as coisas não poderiam ter sido mais diferentes, não éramos meras individualidades, juntávamo-nos para fazer o caminho até casa em rebanho, alguns ficavam pelo caminho nas suas paragens, quando almoçávamos na cantina era numa grande mesa para comportar todo o grupo, estabeleciam-se mais do que meras interações, criavam-se relações. Agora sinto o choque da grande mudança, falo com as pessoas que conheci de novo, claro, é a condição humana ser sociável, alguns mais, outros menos, mas se dentro desta turma não tivesse já as minhas amizades passadas ser-me-ia muito difícil não me sentir sozinha, e não sou só eu, este meus amigos também partilham o mesmo sentimento. Terá o tempo de fazer amizades chegado ao fim ou é apenas a competição académica? Só se as coisas mudarem muito a minha certeza se altera, a de que do mestrado poucas recordações de pessoas levarei para a vida. Como custam estas constatações fruto do crescimento.