Filme: O caso Spotlight
Mais um excelente filme baseado numa história verídica, nomeado a seis categorias dos Óscares incluindo filme, realizador, actores secundários, argumento original e montagem. A história do filme de Tom McCarthy remonta a 2001, quando uma equipa de jornalistas do Boston Globe denunciou quase uma centena de padres que abusavam sexualmente de menores durante décadas, encobertos pelos altos sacerdotes. O caso teve uma repercussão gigantesca não fosse aquela uma cidade maioritariamente católica. A investigação jornalística da equipa Spotlight sobre o caso valeu aos jornalistas um prémio Pulitzer no ano seguinte.
A chegada de um novo editor Marty Baron (Liev Schreiber) incentiva à investigação de uma denúncia levantada numa coluna de opinião. Um caso de um padre que abusou de mais de 80 crianças em 6 paróquias diferentes ao longo de 30 anos com o conhecimento do cardeal é o rastilho para a história que abalou Boston. A equipa Spotlight, responsável pelo jornalismo de investigação independente e confidencial, numa secção do jornal, toma conta do caso. À medida que a investigação avança, os jornalistas começam a descobrir as reais proporções do trabalho em mãos. Nada poderia preparar os profissionais para a extensão da rede de pedofilia. O filme retrata muito bem a abrangência do poderio da grande instituição que é a Igreja no encobrimento dos crimes. Há conhecimento da situação, mas os criminosos não eram punidos, sob falsos pretextos os padres eram afastados da diocese. Desde vítimas, abusadores e famílias todos os intervenientes cumpriam acordos sigilosos sem implicações legais. Desde os advogados, que lucravam pelo silêncio a funcionários judiciais, todo o sistema era corrompido. A investigação foi um processo demoroso e custoso, era uma luta para vencer obstáculos burocráticos que não deveriam ser entraves, uma vez que a informação deveria ser pública. Obviamente que num caso destes também poucas vitimas estavam dispostas a emergir da vergonha e silêncio em que se aprisionaram durante anos, dispostas a dar corpo e voz às estatísticas assustadoramente impressionantes.
Não é dado muito ênfase à história de cada personagem, o foco aqui é o jornalismo de investigação. Fora do trabalho pouco sabemos acerca de cada membro da equipa, há poucas cenas que ressaltam mais profundamente um ponto de vista mais pessoal e afectação do caso em cada um. No geral a fé foi posta em causa. Os jornalistas não são retratados como heróis, são apenas as vozes da verdade, excelentes profissionais que cumpriram brilhantemente a sua função cívica.
A revelação final com que a equipa e o editor se deparam deixa-nos um gosto amargo e trás consigo a raiva e indignação. A história marca, mas no final fica a incredulidade do choque.
Ao início a história não me era muito apelativa, mas com um elenco destes era impossível deixar passar em branco o filme. E ainda bem que não o fiz. A trama simples e estruturada revelou-se muito interessante, espero mesmo que ganhe o Óscar de argumento original. O tema polémico não é tratado com leviandade, há algum rigor e detalhe na explicitude, inevitável, em algumas descrições das vítimas de abusos, mas sem nunca ferir susceptibilidades. Às vitimas é dado o devido espaço para contarem as experiências traumáticas mas sem saturar o espectador. Os relatos dão conteúdo e substância à matéria jornalística, mas o ser humano é sempre tratado como tal e nunca como mais um nome no papel. Os acontecimentos são narrados em grande pormenor e ao mesmo tempo com uma ação desenvolvida a um bom ritmo. Uma das coisas que achei mais interessante, foi que em muitas cenas de exterior vemos no pano de fundo várias igrejas e instituições a elas associadas, mostrando muito bem a proximidade dos crimes à população e a sombra constante da Igreja sobre a cidade.
A performance dos actores vale por si só para fazer deste um dos melhores do ano. O desempenho do trio principal não desilude. Michael Keaton dá corpo a Robby Robinson que conduz Spotlight, Rachel McAdams, (nomeada a melhor actriz secundária), interpreta Sacha Pfeiffer, a única mulher deste grupo e Mark Ruffalo (também nomeado a melhor actor secundário), encarna o luso-descendente Mike Rezendes.