José Cid e a permanência das palavras
Não sou a única na onda das polémicas recessegas, o Facebook acordou para a entrevista a José Cid feita por Nuno Markl há seis anos, para o canal Q, retransmitida por estes dias. Entre outros formosos elogios o cantor disse que as pessoas de Trás-os-montes são "medonhas, feias, desdentadas". Olha só o roto a falar mal do esfarrapado, não há espelhos em casa, pois não. O José Cid sofre da doença do Hitler que considerava as pessoas de raça ariana, altas, de cabelos e olhos claros, superiores às outras, ele próprio era baixo, gordo, de cabelos e olhos escuros. O cantor também que se deixe estar que não caminha para galã. “Costumo dizer que devíamos construir uma muralha da China em Trás-os-Montes, para não deixar passar alguma música que vem de lá”. A música do José Cid também culturalmente não é nada interessante, "como o macaco gosta de banana eu gosto de ti" é tudo menos poético. "Essas pessoas do Portugal profundo já deveriam ter evoluído. Tenho discussões com pessoas que nunca viram o mar e nunca foram ao Pavilhão Atlântico". O José é que deveria ter evoluído e não dizer estas palermices, mas a idade tem destas coisas. Eu também nunca fui ao Pavilhão Atlântico mas não sou nenhuma pacóvia, até já saí de Portugal várias vezes.
Compreendo que os transmontanos se tenham sentido ofendidos, se eu habitasse nessas terras também me tinha sentido assim. A Alfândega da Fé cancelou o concerto do músico, muito bem, eu não convido para minha casa oferecendo cházinho e bolos quem me insulta. Agora que todo o país entre no mantra #somostodostrasosmontes e, tal como a personalidade com que se indignam, despejem a primeira barbaridade que lhes vem à tola nas redes sociais não ajuda em nada a enaltecer a região. Estão apenas a tentar manter-se nesta espécie de moda, a de seguir as correntes de insultos nas redes sociais. Que a entrevista foi de muito mau gosto e falta de respeito foi. Mas chegar ao ponto de ameaçar alguém de morte é demais, anda por aí muita gente a abusar da liberdade de expressão que tem. O cantor já pediu desculpa por uma coisa que provavelmente nem se lembrava de ter dito. Se fosse agora será que diria o mesmo? nunca saberemos.
E das duas uma ou quem a retransmitiu é um idiota que não sabia bem do que se tratava não prevendo o impacto de tais palavras, ou o canal Q decidiu usar esta manobra para dar um boost nas audiências. Quais programas de qualidade qual quê, o que o português quer ver é o circo a arder. Basta pelo menos um transmontano ver, passar a palavra a quem por sua vez também passa a palavra e um problema regional vira polémica nacional.
Mas calma que isto não acabou, há ódio que chegue para toda a gente, e o Nuno Markl também teve direito à sua dose. O grave crime pelo qual está a ser julgado é o riso da estupidez alheia, numa situação imprópria, causadora de danos morais graves a terceiros (e quartos). O humorista pediu desculpa, o bom senso das pessoas minimamente razoáveis pergunta muito pretinentemente "mas pediu desculpa porquê?". O Markl não é responsável por o tudo o que o seu entrevistado diz. Ele não fez nada de mal mas a condição de figura pública obriga estas pessoas a pedir desculpa até por respirar do mesmo ar que partilha com os outros.
Esta coisa da Internet mete medo, tudo o que algúem escreveu pode vir a ser descoberto por um qualquer desocupado, e vir a ser julgado em site público por o que disse há doze anos atrás. E quando esta polémica passar eu já lanço o mote para outra, e aquela vez em que a Maitê Proença esteve em Portugal, já há sete anos atrás, e chamou burro ao nosso povinho todo entre outras lindas peripécias.